SOCIEDADE HEADPHONES

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Tem se alastrado um novo modismo, ou melhor, um vírus, o qual tem contaminado as megalópoles. Esse vírus não se contentou em contagiar somente aos adolescentes e jovens, mas, todas as faixas etárias. A esse vírus chamamos headphones, ou como preferirem, fone de ouvido. Neste artigo, iremos apresentar como esse vírus tem influenciado o modus vivendus do cidadão urbano.



Quando fazemos analogia dos headphones com um tipo de vírus, é necessário indicar que tipo de doenças eles estão transmitindo. Primeiramente a indiferença, segundo uma teologia pautada no cristocentrismo e depois a surdez, segundo a sociedade médica.
Gostaria de iniciar falando de algumas formas de poder dominantes que fazem do ato de compartilhar algo teoricamente inconcebível e praticamente impossível. São elas, a economia, a mídia e a tecnologia. A lógica da mídia positivamente é a transmissão de informação e negativamente, a manipulação por intermédio do aparente, o mundo virtual; a lógica da tecnologia é positivamente interpretada, é a ferramenta humana para a simbiose com a natureza ou negativamente, a produção de uma criação anti-humana. E por fim, a lógica do mercado (economia) é a troca de mercadorias ou poder enquanto acumulação de riqueza. Esta última tornou-se dominante, está se disseminando por todo o mundo, criando uma sociedade de mercado. Em uma sociedade de mercado, todos os bens sociais, que deveriam ser distribuídos para vida, são reduzidos a mercadorias: comida, moradia, educação, saúde e até mesmo justiça.
A vida humana, nessa sociedade, está cada vez mais ameaçada, sendo, as relações entre os homens o ponto crítico. Este artigo a que nos propomos, em forma de metáfora, tem como objetivo apresentar a invisibilidade social, a qual tem banido da vida qualquer diálogo. Sabemos da existência de alguns grupos sociais que sofrem com a ação invisibilizadora, na sua maioria, são aqueles que vivem à margem da sociedade (moradores de rua, prostitutas, etc). Entretanto, a invisibilidade causada pela indiferença, atinge a maioria da população.
Em geral as pessoas se horrorizam diante da impessoalidade e pela perda da identidade que a cidade traz. Pessoas podem perder toda a sua personalidade no meio da correria diária, e dos intermináveis números. Neste caso, a pessoa não passa de um número e que os encontros normalmente são feitos de forma esporádica e sem desejo de aproximação. A coisificação trata o indivíduo como número e coisa. Podemos perceber isso ao tentar acessar nossa conta no banco ou na internet. Neste caso, você estará sendo sempre identificado pelo número que possui. O homem urbano se distancia facilmente do outro. Como exemplo, você pode morar no mesmo prédio e não conhecer quem mora em frente ao seu apartamento. Outro aspecto, é com relação a mobilização. As pessoas estão constantemente se mudando. Alguém por perto não significa “proximidade”. Anonimato, alienação, isolamento, despersonalização, são características psico-sociais do homem urbano.
A atmosfera impessoal dos grandes centros urbano – megalópoles – produz uma terrível solidão. Como a teologia vê tudo isso? É preciso reconhecer barreiras reais e contrapô-las com os recursos dispostos por Deus ao nosso alcance. Assim, fazendo-nos efetivos instrumentos de proclamação das Boas Novas da Salvação de Jesus Cristo.
O individualismo é um valor proclamado pelos iluministas, que enfraquece os laços comunitários e solidários, além de valorizar a subjetividade na livre escolha pessoal, na liberdade e consciência dos direitos fundamentais, a pessoa só se preocupa consigo mesma e com a satisfação de suas necessidades, difundidos pelos meios de comunicação social. É a sociedade do efêmero, as pessoas consideram provisórias e passageiras todas as atitudes e encontram dificuldades em aceitar um compromisso estável e definitivo.
Vivemos dias em que a verdade é subjetiva e pessoal, cada um tem a sua própria verdade. A liberdade individual e a felicidade pessoal são o alvo buscado e a justificativa de qualquer meio para se alcançar o fim. A nossa cultura perdeu a perspectiva de que existe uma lei moral transcendental que se aplica a todos e que rege o próprio equilíbrio das partes. O cristianismo é a única história que faz o mundo ter sentido, que age como guia moral, que nos enche de esperança confiante de nossos futuros individuais e o futuro deste mundo, entretanto, a história cristã perdeu seu significado para o homem moderno.
Segundo o filósofo francês Jean Paul Sartre, o comportamento do ser humano é resultado da sua escolha e da adesão dos outros homens e mulheres a um determinado projeto. Neste sentido é que a responsabilidade se desenha, posto que o ser humano se compromete a agir segundo o seu projeto que nunca diz respeito a si mesmo. E nisto consiste a moral existencialista: criação humana de leis, de valores resultantes do processo permanente de escolher ser. A moral é um compromisso com um certo modo de existir. Isto indica que a moral é, também, resultado da liberdade humana, uma vez que, não tendo um Deus que nos imponha valores ou legitime comportamentos, somos nós que, no exercício da nossa liberdade de ser, construímos os valores e um certo modo de se comportar. A moral, portanto, é também inventividade. Diz Sartre que o ser humano “está condenado a cada instante a inventar o homem”. No que tange a moral, isto significa dizer, que o comportamento humano, os valores que assume livremente para si, são expressão da criatividade. Na medida em que o ser humano refaz o seu projeto, ou melhor, cria ou escolhe novo projeto inevitavelmente ele altera os seus valores, a sua moral. O filósofo nega a existência de um valor prévio de onde derivaria todos os valores humanos. Os valores humanos residem na ação, na sua dimensão existencial. Não há, portanto, um valor absoluto, metafísico, mas um certo modo de agir resultado da subjetividade humana no mundo. “O homem faz-se; não está realizado logo de início, faz-se escolhendo a sua moral, e a pressão das circunstâncias é tal que não pode deixar de escolher uma. Não definimos o homem senão em relação a um compromisso. Eis aqui o critério de julgamento da moral: a liberdade. Ela será resultado da livre criação humana ou da livre adesão, da livre escolha a um certo comportamento, a um conjunto de valores referentes a um certo projeto de ser humano. Não há qualquer sentido na moral que seja dado fora das relações vivenciais. Toda moral que perde esta dimensão, que se distancia das relações existenciais se torna abstração incapaz de compreender as ações e escolhas humanas.
A responsabilidade pelo outro e a percepção de que ao escolher o outro também se insere na minha escolha, experimentamos a angústia. A angústia se dá porque não posso deixar de escolher e não há quem responsabilizar por minhas escolhas: nem um ser divino, nem a contingência (eventualidade). Angústia é testemunha da ação. Só aquele que assumiu a responsabilidade de escolha é que possui. A Angústia, portanto, não leva ao quietismo, a inação (falta de decisão). A angústia não conduziria ao quietismo, como acusavam os marxistas, posto que ela só surge diante da necessidade de decidir, de uma ação. E no exato momento da responsabilidade da decisão, por mim e por todos os homens e mulheres, que o ser humano se angustia.
Na medida que me descubro responsável também pela existência do outro, o meu projeto existencial será a bússola das minhas ações. As ações não serão sintomas de desregramento (ausência de regra), mas resposta ao projeto de existir.
Mesmo Jesus sendo nosso exemplo de comunicação e, de valorização da relação com o próximo, a atual sociedade precisa entender que o tom está na esperança do “já”, do início de um processo de transformação da sociedade, do indivíduo e da reforma contínua das instituições humanas, até no “ainda não” como esperança além dos nossos referenciais temporais, materiais e históricos.
A mensagem de Jesus sobre os bens materiais, a partir de sua vida e de sua missão, é bem clara; eles só tem sentido na medida em que estiverem a serviço de todos, sobretudo, a serviço da vida dos pobres e excluídos.
"Mande que façam o bem, que sejam ricos em boas ações, que sejam generosos e estejam prontos para repartir com os outros aquilo que eles têm" (1 Timóteo 6.18).
A outra doença, mencionada no início do nosso artigo, causada pelo excesso do uso de headphones é alertada pela Sociedade Brasileira de Otologia – SBO, a qual aponta os riscos do som alto nos fones de ouvido. Os tocadores de música (mp’s, iPod, iPhone, celulares etc.) podem atingir um volume tão alto que chega à intensidade sonora de 120 dB (decibéis), mais do que uma serra elétrica (110 dB), enquanto o limite para não causar danos à audição é 85 dB. Segundo estudos, estes tocadores são utilizados, pelas pessoas, com som entre 100 e 115 dB, o que causaria danos irreversíveis à audição em cerca de 10 anos. O Brasil é um dos campeões mundiais na freqüência de perda auditiva induzida pelo ruído, 30% são causadas por exposição a sons intensos. Mas esse não é o único risco à saúde, cerca de 20% da população apresenta zumbido, sintoma que indica perda auditiva; fortes dores de cabeça, insônia e dificuldade de entendimento são outros sintomas do som muito alto nos tocadores de música.
A seguir veja dicas da Sociedade Brasileira de Otologia para prevenir a perda de audição:
- Deixe o volume do tocador de mp3 na metade do volume máximo do aparelho;
- Evite ficar muitas horas seguidas ouvindo música por aparelhos de MP3;
- Procure ajuda médica tão logo seja percebida qualquer alteração da audição
E não bastasse à poluição sonora urbana, temos também o movimento dos “sem-headphones”, grupo de pessoas que utilizam os seus tocadores de música sem o uso dos fones de ouvido, ou seja, com o viva-voz ativado, sem respeitar a privacidade de quem está ao seu lado.
Por fim, como proposta de resistência a tendência massificadora, coisificadora e desumanizadora da sociedade de mercado, proponho o re-estabelecimento da koinonia ( significa "comunhão" em grego), a qual contribuirá para o desenvolvimento desta sociedade, a partir do envolvimento das pessoas, como protagonistas na resolução dos seus problemas em todos os âmbitos e na busca de alternativas sustentáveis aos modelos economicistas e excludentes do desenvolvimento (capitalismo globalizado, lógica do mercado, cultura gospel...).
Sobre o Autor:
Lucas Estevam
Policial Militar, Cristão de confissão evangélica, desigrejado, Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, Bacharelando em Direito pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN e Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública I e II, pela Escola Superior de Sargentos - ESSgt da PMESP. Estou me preparando para servir melhor a Deus, me dispondo a romper as barreiras entre o indivíduo e a sociedade, procurando analisar as relações e inter-relações entre os indivíduos, grupo sociais e contexto social. Propiciar atenção as pessoas em geral que estejam carentes de serem ouvidas, independente de sua confissão religiosa e apresentar a verdade cristã de forma simples e acessível a quem tiver interesse. Sou casado com Maria Helena, tenho um filho de 18 anos, o Lucas Júnior.

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