CIDADES PAGÃS

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A relevância deste artigo é apresentar o paganismo encarnado nas cidades e a identidade cristã em meio a pluralidade contemporânea. Pois, vivemos em um mundo de muitos pobres e também de muitas religiões. A partir daí vamos ajudar a entender o que significa seguir a Cristo na atualidade.


No Antigo Testamento, para os profetas, os israelitas que viviam em Jerusalém, adotaram a vida urbana, assimilando o espírito do paganismo. Pois é na cidade que triunfam a idolatria, o orgulho, a opressão dos pobres. Será que nos damos conta de que os oráculos dos profetas seriam hoje aplicados a São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte?
Percebemos que o problema da cidade parece ser o da comunhão humana. A sociedade não existe. A sociedade é uma abstração. Não há nada mais, além de corpos que estão situados a determinada distância uns dos outros, com certa possibilidade material de tocar-se, de transmitir sinais, dotados de relações de simultaneidade ou de sucessão.
Assim, ocorreu que os profetas houvessem tido desde as primeiras experiências urbanas a missão de dizer: cuidado, as cidades não são o que prometem. Não são a comunhão humana. Só Deus tem o segredo da comunhão humana. A primeira coisa que escandaliza os profetas é a arrogância, a presunção, a ostentação de riqueza e de poder. A missão da comunidade de Israel foi, antes de tudo, protesto contra a sociedade, contra a vida comunitária dos pagãos e principalmente contra as cidades pagãs (Gn 11, 1-9). Foi negação.
A humanidade está feita para a unidade. Tem por missão e fim último o reunir-se. Esse é o término aonde Deus quer conduzir os homens (Ap 7,9).
Neste século podemos assistir a uma espécie de realização histórica do arquétipo de Babel. As megalópoles modernas desenvolvem-se de modo tão anárquico que já em vários lugares, se manifesta um fenômeno de “ex-urbanização”. Ou seja, todos que podem fogem das grandes cidades e constroem casas distantes do ruído, da aglomeração, do nervosismo das cidades. É como uma demonstração de que as cidades não podem manter os homens que atraíram. Trata-os tão mal que não encontram outra solução se não partir.
Semelhante as cidades antigas, edificadas graças a duros trabalhos de milhares de escravos, como os palácios dos faraós, as cidades modernas constroem-se graças a trabalhos forçados de milhares de operários necessitados, obrigados a aceitar condições de vida, sem esperança de libertar-se algum dia de sua escravidão. Quando nossas cidades mostram sua riqueza e sua grandeza, ocultam, por sua vez, e com muita freqüência, misérias merecedoras de que se apliquem a elas as acusações vingadoras dos profetas.
O Novo Testamento e os vinte e um séculos de história nos ensinam que a cidade – como Igreja – está sempre ameaçada de recair nas atitudes do Antigo Testamento e que deve reformar-se constantemente para continuar fiel ao espírito do Novo. Como bem expôs o autor do livro aos hebreus “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a cidade futura” (Hb 13, 14). Neste sentido continuamos sendo uma diáspora, um povo que não se reúne nesse mundo do visível, mas que espera reunir-se num mundo futuro. A cidade é o corpo, a união dos homens. Uma diáspora fica fora dessa união. Ela se estabelece à margem.
A diáspora dos cristãos é diferente da de Israel. A de Israel suscita a criação de guetos nas cidades dos pagãos, permanecendo indiferente ao desenvolvimento das cidades pagãs, com as quais não deviam sentir-se solidários. Mas os cristãos não devem formar guetos. Pois pertencem à cidade pagã por nascimento e não são indiferentes ao seu progresso. Pelo contrário, sua missão os envia à cidade pagã. Sua diáspora está orientada não para fora, mas para dentro.
Jesus não quis apenas fundar a Igreja, quis também reconstruir de alguma forma este mundo e suas cidades. Pois, efetivamente, em Jesus Cristo se realiza a salvação da cidade. Não basta a vinda de Cristo para que todas as cidades se transformem em comunidades verdadeiramente humanas. Basta um olhar à realidade concreta para deixar de iludir-se.
Atualmente, milhões de homens, são irresistivelmente arrastados pelas promessas que as cidades lhe oferecem. Entretanto, as cidades não estão preparadas para recebê-los e não têm pressa em acolhê-los. Parece mais preocupada em manter os privilégios de pequena minoria. Como na antiguidade, as cidades exaltam as minorias que as levantam em torno de suas pessoas, mas ignoram as massas que se movem ao redor de suas constelações.
Deve-se dizer que nada mudou desde a vinda de Jesus Cristo e que tudo continua como antes? Não. A cidade mudou sob a ação dos cristãos, pela desaparição de formas religiosas que justificam, mantém ou até criam aberrações. Porque as maiores corrupções do homem são efeitos de desvios religiosos.
Para que não venhamos a incorrer nos desvios religiosos é preciso estarmos atentos ao pluralismo religioso que nos cerca. A rigor, o Brasil sempre foi uma sociedade plural em termos religiosos, e tanto na colônia como no império encontramos criativas formas de relacionamento entre as diversas manifestações religiosas e o catolicismo, a religião oficial, sendo ela mesma bastante heterogênea. O catolicismo continua sendo a grande referência religiosa da sociedade brasileira, embora declinante. O pluralismo religioso tem se expandido, propiciando modificações no próprio catolicismo. Hoje, o que vemos, é uma forte tendência de não haver adesões rápidas nem definitivas a uma determinada “membresia” e ao simbólico a ela referido. Muitas vezes, opta-se por vivências dúplices de simbólico e a admissão de intenções de futuras incursões em outros universos. Há muitos brasileiros com dupla ou tríplice pertença religiosa ou que transitam com facilidade de uma religião a outra (sincretismo), ou ainda constroem sua própria visão religiosa com elementos de diversas procedências.
Para finalizarmos, é importante que cada cristão, tenha em mente, que sua tarefa e o efeito da redenção de Cristo é salvar a cidade de seu mal, transformando-a em autêntica comunhão humana. A presença dos cristãos na vida da cidade é um ideal, meta que deve ser alcançada. Quanto mais a cidade se cristianizar, transformando-se em “cristandade”, e quanto mais a Igreja puder renunciar as suas próprias instituições, mais se abrirá para as atividades da cidade, menos motivos encontrará para abrir escolas, instituições culturais, caritativas etc. Mais se aproximará da missão que lhe é própria. Mais se reduzirá ao seu caráter específico. Mas, ao contrário, quanto mais pagã for a cidade onde se encontre – o cristão – e mais resistir a sua influência, mais sentirá a necessidade de recolher-se em uma vida social própria à margem da cidade. Cristandade e instituições cristãs são dois termos antagônicos.
Comentário feito a partir do livro Teologia da Cidade, de José Comblin.

Sobre o Autor:
Lucas Estevam
Policial Militar, Cristão de confissão evangélica, desigrejado, Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, Bacharelando em Direito pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN e Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública I e II, pela Escola Superior de Sargentos - ESSgt da PMESP. Estou me preparando para servir melhor a Deus, me dispondo a romper as barreiras entre o indivíduo e a sociedade, procurando analisar as relações e inter-relações entre os indivíduos, grupo sociais e contexto social. Propiciar atenção as pessoas em geral que estejam carentes de serem ouvidas, independente de sua confissão religiosa e apresentar a verdade cristã de forma simples e acessível a quem tiver interesse. Sou casado com Maria Helena, tenho um filho de 18 anos, o Lucas Júnior.

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